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sábado, 31 de maio de 2014

O pensamento de Nietzsche



Nietzsche em 1870
Em defesa da Cultura

Friedrich Nietzsche estava se recuperando em Basiléia, na Suíça, de uma doença que o atacara na Guerra Franco-Prussiana de 1870 (ao prestar serviço de assistência aos feridos do exército alemão), quando chegou-lhe uma terrível notícia. Em março de 1871 a população de Paris havia se rebelado contra o governo derrotado. Pior, os operários estavam pondo fogo nos grandes prédios públicos e depredando as obras de arte espalhadas pela capital francesa, entre elas a bela Coluna de Vendôme. Era a Comuna de Paris que havia sido proclamada no dia 18 de março de 1871, que se tornaria um dos mais violentos levantes populares da Europa do século XIX. 

Foi um choque para ele. Ainda estonteado pelas informações que recebera, refugiou-se na casa do historiador da cultura Jacob Burckhardt (1818-1897), o célebre helenista e historiador da cultura, pesquisador da Itália renascentista, que igualmente estava desconsolado. Acreditaram os dois amigos que toda a arte ocidental estava ameaçada. Séculos de beleza estavam em vias de ser totalmente devastados pelo vandalismo das massas parisienses revoltadas. 

Os episódios da Comuna de Paris foram fundamentais para o acirramento das posições políticas de Nietzsche. Onde Karl Marx viu um momento de bravura popular, Nietzsche identificou o surgimento de uma nova barbárie que era preciso deter a qualquer custo. A Comuna será, pois, o ponto de partida para uma série de escritos que ele desenvolveu ao longo dos próximos vinte anos seguintes e que o colocaria ao lado dos antidemocratas, dos anti-socialistas, e contra todo e qualquer tipo de pregação que visasse a igualdade, tornando-o um apologista da distinção.


A destruição da Coluna de Vendôme (Paris,1871)
Nietzsche como Anticristo

O ataque direto que Nietzsche desencadeou contra o cristianismo radicalizou-se com o seu "O Anticristo" (Der Antichrist), mas foi inicialmente exposto na A genealogia da moral (Zur Genealogie der Moral), de 1887. Argumentou que a ética cristã era uma moral de escravos, de gente fraca e vil que havia, através do cristianismo, desvirilizado o espírito senhorial e dominante dos aristocratas. A origem desse processo, segundo Nietzsche, remontava à aos tempos da Palestina ocupada pela raça romana, raça de senhores. Os judeus, impotentes em poder livra-se deles, terminaram por aperfeiçoar a psicologia do ressentimento provocando uma inversão dos valores. Tudo aquilo que era "débil", "humilde", "medíocre", eles apresentaram como "bom", enquanto palavras tais como "nobreza', "honra", "valor", foram vistas como "mal". O resultado desse trabalho de sapador, feito por séculos de pregação cristã, foi o enfraquecimento das energias vivificantes da sociedade ocidental, especialmente das suas elites, na medida em que o "doentio moralismo ensinou o homem a envergonhar-se de todos os seus instintos".

A rebelião dos escravos

A rebelião dos escravos na moral se deu devido a sua impotência para destruir com a escravidão (ou o seu avalista, o poder romano). A nova religião - o cristianismo - tornou-se o instrumento deles para canalizar o seu ódio impotente, um "ódio que tinha a contentar-se com uma vingança imaginária". O produto desse ressentimento foi fazer com que os escravos, a "raça inferior e baixa", tornassem tudo aquilo que fosse digno e nobre em algo pecaminoso. Transformaram a prostração e a pobreza em virtude, e a abjeta covardia de dar o outro lado da face em caso de agressão, num ato sublime de perdão.

Via, portanto, o cristianismo como uma doença maligna que havia atacado o Império Romano, contribuindo para que ele sucumbisse vitimado por uma espécie de "febre das catacumbas". E, pior, "a mentalidade aristocrática foi minada até o mais profundo de si própria pela mentira da igualdade das almas; e se a crença na prerrogativa da maioria faz e fará revolução - é ao cristianismo que devemos sua difusão. São os juízos de valores cristãos que qualquer revolução vem transformar em sangue e crime. O cristianismo é uma insurreição do que rasteja contra o que tem elevação: O Evangelho dos pequenos tornado baixo".


Cristianismo, religião dos fracos (tela de Mantegna)
A volta às energias aristocráticas

Portanto, os nossos conceitos de bem e de mal eram estratagemas dos derrotados, que fizeram a façanha de substituir os valores superiores da nobreza. Dessa forma retiraram dela, enternecendo-a com rogos de piedade, a seiva necessária para aplicar uma política de mão firme para conter esse moderno movimento neobárbaro, cuja carantonha havia emergido na Comuna de Paris de 1871. O socialismo não passava de um "cristianismo degenerado [...] o anarquista e o cristão vêm da mesma cepa [...]". Era preciso, pois, primeiro, expurgar de si esta moral de gente covarde. Retornar às fontes de energia aristocráticas, aplicar uma política da impiedade, onde somente o mais nobre e o mais viril fosse tomado em consideração. 

"Deus está morto!" Foi sua mais célebre proclamação. Como conseqüência, os homens deveriam buscar valores que transcendessem a moral convencional divulgada pelo cristianismo; um retorno "à ordem de castas, à ordem hierárquica [...] para a conservação da sociedade, para que sejam possíveis tipos mais elevados, tipos superiores - a desigualdade dos direitos é a condição necessária para que haja direitos". Concluiu dizendo: "Quais são aqueles que mais odeio no meio da canalha dos nossos dias? A canalha socialista, os apóstolos [...] mirando o instinto, o prazer, o contentamento do trabalhador no seu pequeno mundo - que o tornam invejoso, que lhe ensinam a vingança [...] a injustiça nunca reside na desigualdade dos direitos, ela está na reivindicação de direitos iguais".

Nietzsche e a História

Nietzsche rompeu também com a relação entre a Filosofia e a História que havia sido estabelecida por Hegel, entendida esta última como uma crônica da racionalidade. Considerava que "o excesso de história" parecia "hostil e perigoso à vida", limitador da ação humana, inibindo-a. Devia-se ousar, avançar perigosamente para o ilimitado, porque a racionalização histórica levava o homem a "perder-se ou destruir seu instinto fazendo com que ele não ouse soltar o freio do 'animal divino' quando a sua inteligência vacila e o seu caminho passa por desertos. O indivíduo torna-se então timorato e hesitante e perde a confiança em si..." terminando por fazer com que "a extirpação dos instintos pela história transforma os homens em outras tantas sombras e abstrações."

Instinto contra a Razão

Nietzsche recolocou claramente o confronto outrora posto pelos românticos quando opunham os instintos - geralmente entendidos como uma manifestação da pureza e autenticidade humana - à razão, símbolo do utilitarismo cinzento e materialista. 

Opunha-se, como conseqüência, à idéia de que os acontecimentos históricos ensinavam os homens a não repeti-los, defendendo a teoria do eterno retorno, de remota inspiração na filosofia pitagórica e na física estóica, que compreendia a aceitação de periódicas destruições do mundo pelo fogo e seu ressurgimento. Desta forma, não só tudo poderia acontecer novamente como tudo poderia ser tentado outra vez.

Em busca do super-homem

A idéia da necessidade da formação de uma nova elite - não contaminada pelo cristianismo e pelo liberalismo - e que ao mesmo tempo os transcendesse, acometeu Nietzsche desde muito cedo. Pode-se dizer que já pensava assim nos seus tempo do internato em Pforta. Já naquele tempo mostrou-se obcecado pela formação de uma seleta falange intelectual responsável pela transmutação de todos os valores, cuja obrigação e dever maior era a proteção de uma cultura superior ameaçada pela vulgaridade democrática.


Desde jovem fascinou-se pela elite
O pensamento de Nietzsche

O culto ao gênio

A teoria do surgimento futuro de um novo indivíduo que conjugasse o abandono dos valores do bem e do mal com um ateísmo engajado, foi, de certa forma, a evolução decorrente do culto ao gênio professado pelos primeiros românticos. A teoria do gênio vai ser retomada por Arthur Schopenhauer que irá expô-la num apêndice acrescentado ao seu O mundo como vontade e representação, na reedição de 1844, onde, num certo momento associa o homem genial à dimensão do Monte Blanc, que, do cimo das suas neves elevadas, contempla olimpicamente o resto da humanidade, mantendo-se fiel apenas " ao fim objetivo" ... "uma meta a ser atingida, mesmo que seja um equívoco, mesmo que seja um crime".

Thomas Carlyle, um reconhecido admirador do romantismo alemão, também se abeberou da idéia do gênio, adotando-a na sua concepção da história como sendo o palco exclusivo da ação do herói, do grande homem, que num só gesto ou ato altera o destino de milhões. Ela - a história - não passaria, pois, de um grande gesto heróico, onde a personalidade magnífica domina inteiramente o cenário da sua época. E, é claro, a figura do super-homem já estava esboçada anteriormente em Novalis, Heine e Goethe e, mais remotamente ainda, num dos diálogos de Platão.
A influência de Dostoievski


Dostoievski previu a revolução niilista
Uma das influencias mais significativas que Nietzsche recebeu foi-lhe inspirada pela leitura de Fédor Dostoievski (1821-1881). O escritor russo foi o primeiro, sob o enfoque cristão, a detectar o perigo da emergência do homem - idéia, ou do homem-deus enaltecido pelos românticos, desde os tempos de Fichte. A moderna sociedade liberal e progressista ao atacar os valores religiosos , sem se dar conta do perigo, abria uma brecha nos valores estabelecidos por onde aflorava o terrível homem-idéia, o indivíduo ateu e materialista que devotava sua vida a favor de uma causa, normalmente de inspiração niilista. Ele era um perigoso abnegado e um obcecado que rompia com os valores da sociedade, criando um universo ético próprio, só dele, totalmente afastado do cristianismo.

Nos romances de Dostoievski ele, este indivíduo perigoso, aparecerá no personagem do jovem estudante Raskolhnikov, em Crime e castigo; na do intelectual Ivan Karamazov de Os irmãos Karamozovi; e no príncipe Stavroguin no romance Os demônios. Todos eles são descritos como esses homens-idéia gerados pela modernidade que Dostoievski abominava e a quem ele reservou, em todos as novelas citadas, um final infeliz, na medida em que os considerava uns "perdidos de Deus".

Pois foi justamente este homem-idéia, esse ateu de novo tipo, que Dostoievski via com angústia e apreensão, que se tornou o arquétipo do novo homem moderno, é que foi o herói de Nietzsche. Ele, e somente ele, teria a coragem de doravante assumir a realidade de um mundo onde Deus estava morto. Mas isso estava longe de significar uma vida sem sentido como muitos moralistas e homens de fé acreditavam. Bem ao contrário! O terrível dito de advertência de Dostoievski de que "se Deus esta morto, tudo é permitido", que o russo entendia como uma chamamento à licença, à desordem e ao crime, Nietzsche entendeu como uma liberação. A possibilidade do indivíduo construir o seu destino não mais tolhido por qualquer regra, por qualquer impedimento, dilatava os horizontes para extensões impensadas.

A liderança do super-homem

E era exatamente nisso que estava o significado inaudito dos tempos vindouros. Devia-se aceitar na totalidade um mundo onde uma nova ordem deveria fatalmente imperar, na qual as novas regras, acima do bem e do mal, seriam impostas por essa figura exponencial que era o super-homem. (Übermensch), Este titã moderno, liberto de toda e qualquer ladainha cristã-humanitária, desprezaria qualquer sentimento de arrependimento, varrendo de dentro de si a fraqueza da piedade . Como Nietzsche deixou dito no "Humano, demasiado humano"(Menschliches, Allzumenschliches): "Se o homem consegue adquirir a convicção filosófica da necessidade absoluta de todas as ações e, ao mesmo tempo, da total irresponsabilidade destas, se consegue converter essa convicção em carne e em sangue , então desaparecerá também este resto de remorso de consciência".
O manifesto de Zaratustra


O profeta iraniano que inspirou Nietzsche
A singularidade do pensamento ideológico e filosófico de Nietzsche é que foi exposta por meio de um grande poema: Assim falou Zaratustra (Also spracht Zarathustra), iniciado em 1883. Nele o filósofo-poeta se apresenta atrás da roupagem do profeta iraniano Zaratustra ou Zoroastro (que viveu ao redor de 600 a.C. e que compôs o Zend-E-Avesta, dividido em cinco Gathas, ou canções proféticas), anunciando a boa nova da chegada do super-homem (após ter passar anos no alto de uma montanha, o profeta, exilado numa caverna, para onde havia se retirado a fim de meditar, tinha como companhia apenas uma águia e uma serpente).

Dali Zaratustra desce para vaticinar a vinda daquele que irá superar o homem: o super-homem. "Que é o macaco para o homem?" - pergunta o profeta àqueles a quem encontra na praça do mercado da cidade, e responde: "Um motivo de riso e dolorosa vergonha. E é justamente isso que o homem deverá ser para o super-homem: um motivo de riso ou de dolorosa vergonha". E, mais adiante, diz ao povo que "o homem é uma corda estendida entre o animal e o super-homem - uma corda sobre um abismo"... o homem é ao mesmo tempo "uma transição e um ocaso". Uma nova era, de superação de antigos tempos está para vir "... não existe Diabo, nem inferno", diz Zaratustra "a tua alma estará morta ainda mais depressa do que o teu corpo; portanto não receies nada!"
As metamorfoses do espírito

Os homens, segundo Zaratustra, teriam passado por três metamorfoses do espírito: foram primeiramente camelos, por carregarem em si as culpas do mundo, o sentimento do pecado ensinado pelos religiosos. Depois tornaram-se leões na medida em que se rebelaram contra esse passado de fadigas e culpas ignominiosas, onde seus instintos puros eram condenados como pecaminosos e, finalmente, assumiram a forma de crianças, na esperança de renascer numa nova moralidade, distinta da anterior, livres dos preceitos estabelecidos pelo bem e pelo mal.
O futuro é das águias

"Lembrem-se: Quanto mais alto planamos, menores vemos são as pessoas que não conseguem voar". - Nietzsche

Mas esse devir radioso, liberto da moral passada, não é um lugar reservado a todos "[...] Na árvore do futuro, construamos o nosso ninho; para nós os solitários, águias deverão trazer alimento em seus bicos! E, como fortes ventos, queremos viver acima deles, vizinhos das águias, vizinhos da neve, vizinhos do sol: assim vivem os ventos fortes. E tal como o vento forte, quero algum dia, soprar no meio deles [da canalha] e, com o meu espírito, tirar o respiro ao seu corpo: assim quer meu futuro". Zaratustra detesta "os pregadores da igualdade" que, segundo ele, não passam de " tarântulas e bem ocultas almas vingativas". Concluindo não querer "ser confundido com esse pregadores da igualdade. Porque, a mim, assim falava a justiça: os homens não são iguais".

A morada do super-homem é nas alturas (cena dos Alpes)

O super-homem está no devir

O profeta não vê as características do super-homem entre os integrantes da antiga nobreza. Eles também já foram contaminados pelo liberalismo ao fazerem concessões políticas ao populacho (no caso, as primeiras leis sociais e de previdência aprovadas por Bismarck no IIº Reich alemão). Portanto, o super-homem ainda está por nascer e será identificado por sua integral e total devoção aos princípios exclusivista que defende, pelo seu caráter de aço!

Não se fará reconhecido por nenhum atributo genético, por nenhuma descendência aristocrática, mas sim pela consciência e poder que irá naturalmente transbordar da sua pétrea personalidade. A missão dele será partir "as velhas tábuas". Ele formará "uma nova nobreza, que se oponha a toda a plebe e a toda a tirania e que escreverá novamente em novas tábuas a palavra 'nobre".

Zaratustra esperançoso olha para a frente: "A minha águia está acordada e, como eu, presta homenagem ao sol. Estende suas aduncas garras de águia para a nova luz. Sois os animais certos para mim; eu vos amo. Mas faltam-me, ainda, os meus homens certos!"
Maquiavel e Nietzsche


Maquiavel, o teórico do amoralismo
Tal como Maquiavel encerrava O príncipe na expectativa de que surgisse na Itália dilacerada do seu tempo uma figura magnífica, despida de preconceitos, que lançasse mão de quaisquer recursos, mesmo que inescrupulosos, para unificar o país ameaçado pelos bárbaros, Nietzsche-Zaratustra esperava o mesmo na emergência de um super-homem.

Só que os temores da época de Nietzsche eram outros. Os novos bárbaros que assustavam o Ocidente que ele pretendia defender eram as idéias democráticas, o socialismo (que para ele eram sinônimos) o feminismo, o mau gosto vulgar da nascente cultura de massas, que devia ser exorcizado. Portanto, chegou mesmo a considerar - em nome da boa arte - a necessidade da escravidão. Toda a beleza apolínea da arquitetura grega antiga e sua imorredoura qualidade estética havia sido produto de uma sociedade escravista. O Pártenon poderia dever muito à iniciativa de Péricles e ao gênio de Fídias, mas também à chibata do feitor!

O pensamento de Nietzsche

O programa do super-homem


César Borgia (1475-1507), o tirano exemplar
O grande programa do super-homem, portanto, estava pronto. Tratava-se de uma abrangente reforma que procurava dar um senso de propósito a uma existência na terra abandonada pela deidade. Os interesses de poucos deverão ter proeminência sobre todos os demais, a força do espírito sobrepujará a fraqueza, a saúde do espírito sucederá qualquer tibiez, a guerra dos espíritos substituirá a paz. Como conseqüência lógica disso, as necessidades dos indivíduos excepcionais terão sempre precedência contra o espírito nivelador estabelecido pela gravitação imposta pela mediocridade. O mundo filisteu, dominado pela pasmaceira da vida rotineira deverá dar lugar à audácia, à dança, e à destreza intelectual. A de viver-se perigosamente.
A revolta contra o tédio

A pregação de Zaratustra foi entendida por George Steiner como uma desconformidade, entre tantas outras, com a vida tediosa da sociedade burguesa fin de siècle, onde o mundo aventureiro e belicoso do aristocracia cedia espaço ao utilitarismo frio, prático e calculista, do homem burguês ocidental. Uma época absolutamente banal na qual a sociedade científico-positivista via-se crescentemente dominada pelo espírito liberal-igualitário, que impedia o afloramento da individualidade singular, a emergência do grande homem, da personalidade fora de série, que o profeta vinha pressagiar. Um estado de espírito que encontrou sua melhor expressão no dito do poeta Théophile Gautier: "Prefiro a barbárie ao tédio!"
A vontade de poder

Se Schopenhauer, um pessimista assumido, desenvolveu a teoria de que a vida não tinha nenhum sentido racional e que todos nós éramos apenas expressões da vontade, uma vontade de viver instintiva, animal, cósmica, que estava entranhada na natureza e em nós, Nietzsche irá atribuir à vontade uma outra dimensão. Influenciado pelas teses de Charles Darwin (1809-1882), como a luta pela vida e a sobrevivência do mais apto, ele considerou a vontade (Wille)como uma força positiva sobre o Homem, uma energia que mobiliza-o, fazendo-o ultrapassar os obstáculos e vencer os desafios que se lhe antepõem. Daí reduzir quase tudo na existência à luta pela vontade de poder (Wille zur Macht).

A necessidade vital que o homem tem de sempre lançar-se compulsivamente sobre os demais objetos da natureza e sobre o resto da sociedade visando o seu domínio, estaria assentada na antiga premissa de que "cada um de nós deseja, no possível, ser o senhor de todos os homens, e preferivelmente deus". Esta vontade de poder é vital e amoral, independe de critérios éticos, é uma espécie de pulsão incontrolável que faz com que o homem enfrente todas as vicissitudes para saciá-la (concepção que foi recentemente reaproveitada por Michel Foucault na sua "microfísica poder", e com a visão de que a sociedade é um conflito permanente entre poderes, que transcendem a simples luta política partidária e ideológica, englobando as políticas clínicas, da saúde pública, dos sanatórios e das prisões).

M.Foucault, influenciado por Nietzsche
A política de domínio

Isto conduziu a que Nietzsche aceitasse e enaltecesse qualquer política de domínio, acreditando-a inevitável. No Além do bem e do mal (Jenseits von Gut und Böse), concluída em 1886, e que é de certa forma, a complementação final em prosa do Zaratustra, afirma que "a vida mesma é essencialmente apropriação, ofensa, sujeição do estranho e mais fraco, opressão, dureza, imposição de formas próprias, incorporação e, no mínimo e mais comedido, exploração".
A vontade dos mais fortes

Evidentemente que esta manifestação de vontade de poder, em sua plenitude, só pode ser exercida pelos mais fortes. Aos fracos cabe a obediência respeitosa ou aceitar o extermínio silencioso. Esta figura vitoriosa, altaneira, que impõe sua vontade sobre tudo e todos, não pode ser constrangida pela moral comum dos homens vulgares, dos preceitos seguidos pelas maiorias, ou pelo imperativo categórico kantiano, que desejava tornar toda e qualquer ação numa lei universal.

O mais forte faz suas próprias regras, estabelece para si qual é a melhor conduta e não espera de forma nenhuma que os outros o sigam (é o "façam o que eu digo e não o que eu faço" de Napoleão). Ele não deve estranhar se o consideram duro e insensível, quiçá até desumano, pois estes são os atributos do super-homem, que trafega soberbo no seu Olimpo particular e só tem gestos generosos para com os demais na medida em que isto o enaltece ou satisfaz.

Despreza "o covarde, o medroso, o mesquinho o que pensa na estreita utilidade; assim como o desconfiado, com seu olhar obstruído, o que rebaixa a si mesmo, a espécie canina de homem, que se deixa maltratar, o adulador que mendiga, e sobretudo o mentiroso - é crença básica de todos os aristocratas que o povo comum é mentiroso". Ao homem comum, ao fraco em geral, só lhe resta a serventia de ser um degrau de apoio sobre o qual a figura de escol deverá calcar em sua ascensão os cimos mais elevados de uma existência superior.
Uma contra-utopia

Nietzsche de certa forma esboçou, com sua prosa impressionista, o que poderíamos considerar como uma contra-utopia ou uma utopia direitista. Na sociedade futura que imaginou, a harmonia seria estabelecida apenas entre os que se consideravam iguais - a nova nobreza formada pelos super-homens - que regeriam uma comunidade rigidamente hierarquizada, despida da moral comum, dominada pela "besta loura" que exerceria sua autoridade baseada numa impiedosa vontade de poder.

A obra de Nietzsche, sob o estrito ponto de vista político e ideológico, foi a mais profunda e radical manifestação intelectual contra as grandes cartas e documentos que se posicionaram pela e igualdade e liberdade que vieram à luz na cultura ocidental, desde a Declaração dos direitos do homem e do cidadão da Revolução Francesa, passando pelo Manifesto comunista de Marx e Engels, até as leis sociais da sua época.
"Eu sou dinamite!"


A rocha do Lago Silvanaplate, que inspirou Nietzsche
O próprio Nietzsche nunca deixou de ter consciência de que suas posições, assumidamente radicais, teriam conseqüências terríveis nos anos vindouros. Que para ele seriam tomados por uma reação contra-revolucionária de dimensões espantosas. No Ecce Homo, por exemplo, a sua autobiografia publicada somente em 1908, oito anos após a sua morte, reconhece: "Conheço a minha sorte. Alguma vez estará unido ao meu nome algo de gigantesco - de uma crise como jamais haverá existido na terra, da mais profunda colisão de consciência, de uma decisão tomada, mediante um conjuro, contra tudo o que até esse momento se acreditou, exigiu, santificou. Eu não sou um homem, sou dinamite".


sexta-feira, 30 de maio de 2014

VÍDEO. Justice - O princípio supremo da moralidade.

Justice - O princípio supremo da moralidade
Aula do curso Justice -- Qual a coisa certa a fazer, de Harvard, com o professor Michael Sandel. O filósofo Immanuel Kant diz que o que dá valor moral às nossas ações é a capacidade de passar por cima de interesse pessoal e inclinação e agir por dever. O professor Sandel conta a história real de um garoto de 13 anos que venceu um concurso de soletração mas, depois, admitiu para os juízes que, na verdade, havia errado a última palavra. Usando este e outros casos, Michael Sandel explica o teste de Kant para determinar se uma ação é moralmente correta: identificar o princípio expresso em nossa ação e então se perguntar se esse princípio poderia se tornar uma lei universal que todos os seres humanos poderiam seguir.

Apocalípticos e Integrados (Em defesa da cultura de massa)

Ainda sobre a indústria cultural. Leia e responda.

Para os que se atêm ao velho e viciado discurso acadêmico que, no campo da estética, ainda se agarra aos epítetos adornianos como perspectiva crítica, vale lembrar que Umberto Eco, ninguém mais ninguém menos do que o maior semiótico da história, em seu livro Apocalípticos e Integrados, faz uma interessante defesa da tão difamada cultura de massa.

Eco começa por distinguir aqueles que são de espírito mais flexível, mais abertos em relação às inovações artísticas, os  integrados, e os que defendem posturas rígidas tipicamente conservadoras e são refratários a qualquer busca por uma nova expressão estética, os apocalípticos.

Quando penso em apocalípticos impossível não  virem à minha cabeça as famigeradas bienais de São Paulo, vítimas de críticas de autores reconhecidos, como Ferreira Gullar. Gullar se refere sempre às bienais de sampa como algo que não deve ser levado a sério, quase uma fraude. Certa vez afirmou que as instalações de uma das bienais eram uma tentativa de chamar a todos os que as visitavam de palhaços. Impressiona esse tipo de postura vinda de um homem culto como o poeta. Ele não sabe que o papel da arte de vanguarda é provocar o estabelecido, é abalar as percepções, é questionar o lugar das coisas. Por que um urinol (para citar aqui o caso emblemático de Duchamp) tem que ser urinol e não outra coisa? É esse o papel da arte contemporânea. E, claro, quando se entra num lugar onde as coisas fogem à ordem costumeira e adquirem o status de absurdo, nós, os seres humanos acostumados a um universo que se pauta por uma pretensa ordem, ficamos chocados. E a idéia é essa mesma: chocar. Ora, se o senhor Ferreira Gullar se sente tão tocado assim, é sinal inequívoco de que a arte contemporânea cumpriu sua missão.

Gullar pisa na bola às vezes. Pisa na bola quando lança seus dardos contra a poesia concreta. Ele demonstra que seu entedimento do que seja poesia concreta é mínimo. Aliás, ele nunca fez poesia concreta stritu senso. Ele considera que os concretistas quiseram abolir a linguagem e que isso era impossível. Sim, tem razão, abolir a linguagem é impossível realmente, até porque, ao fazê-lo, cria-se uma outra linguagem: a linguagem da não-linguagem. O problema é que os concretistas jamais pretenderam abolir a linguagem, pelo contrário, romperam com os padrões lineares, discursivos, líricos da poesia anterior e elevaram a linguagem ao nível da linguagem-em-si. Só que Gullar nunca entendeu isso.

Mas o que quero abordar é um outro assunto. Referi-me ao Gullar porque ele se encaixa naquilo que Umberto Eco chamou de apocalíptico e vejo que há por aí, nos salões universitários, jovens cheios de idéias que se voltam para a cultura de massa com o intuito de julgá-la com base na filosofia de Adorno. O primeiro problema é que, a exemplo de outros pensadores, criou-se uma igrejinha adorniana onde todos têm que dobrar os joelhos no altar de suas idéias, se esquecendo de que filosofia é uma coisa e filosofar é outra. Não se pode ser um papagaio de repetição, há que se alçar vôos mais altos. O segundo é que toda filosofia é datada historicamente. A de Adorno teve sua época e contexto bem definidos. Hoje em dia as coisas são outras. Não se pode julgar o presente olhando para o passado.

O centro das idéias adornianas é, grosso modo, o seguinte: o mercado cria, inventa autores de qualidade discutível. Mais do que isso: altera as percepções dos ouvintes para guiá-los a um consumismo cego, sem que lhes seja possível adquirir uma postura crítica em relação àquilo que ouvem (Adorno se referia especificamente à música). Dessa forma, milhões de maus  artistas são lançados ao mercado para um público dócil e acrítico que irá consumi-los de acordo com a demanda. Lógico, é o que ocorre de fato, bastar ver a mídia e seus axés rebolativos, seus pagodes, etc. O problema é que essa crítica se estende de forma dogmática a todos. E, claro, como em tudo, há exceções.

Sempre achei problemática essa questão. Há filmes considerados "comerciais" cuja qualidade é indiscutível, assim como há outros adorados como cults que são de uma miopia e de uma baixeza gritantes. Quando o assunto é novela, aí a coisa apela para o histerismo e os discípulos de Adorno gritam que é alienação. Mas o problema é que há filmes e filmes, novelas e novelas. Já se sabe hoje que as novelas são o depósito dos costumes de um povo e que o Brasil faz a melhor novela do mundo. Só que os cachorrinhos de Santo Adorno não sabem disso.

Bem, mas Umberto Eco sabia e tratou de defender a cultura de massa.

Vou reproduzir aqui as acusações contra os mass media e a defesa de Eco.

a) Os mass media dirigem-se a um público heterogêneo e especificam-se segundo "médias de gosto" evitando as soluções originais.

b) Nesse sentido, difundindo por todo o globo uma "cultura" de tipo "homogêneo", destroem as características culturais próprias de cada grupo étnico.

c) Os mass media dirigem-se a um público incônscio de si mesmo como grupo social caracterizado; o público, portanto, não pode manifestar exigências face à cultura de massa, mas deve sofrer-lhe as propostas sem saber que as sofre.

d) Os mass media tendem a secundar o gosto existente, sem promover renovações da sensibilidade.

e) Os mass media tendem a provocar emoções intensas e não mediatas.

f) Os mass media, colocados dentro de um círculo comercial, estão sujeitos à lei da "oferta e da procura".

g) Mesmo quando difundem os produtos da cultura superior, difundem-nos nivelados e "condensados", a fim de não provocarem nenhum esforço por parte do fruidor.

h) Em todo caso, também os produtos da cultura superior são propostos numa situação de completo nivelamento com outros produtos de entretenimento.

i) Por isso, os mass media encorajam uma visão passiva e acrítica do mundo.

j) Os mass media encorajam uma imensa informação sobre o presente (reduzem aos limites de uma crônica atual  sobre o presente até mesmo as atuais reexumações do passado, e assim entorpecem toda consciência histórica.

k) Feitos para o entretenimento e o lazer, são estudados para empenharem unicamente o nível superficial da nossa atenção.

l) Os mass media tendem a impor símbolos e mitos de fácil universalidade.

m) Para tanto, trabalham sobre opiniões comuns.

n) Por isso se desenvolvem, ainda quando aparentam ausência de preconceitos, sob o signo do mais absoluto conformismo no campo dos costumes.

o) Os mass media apresentam-se, portanto, como o instrumento educativo típico de uma sociedade  de fundo paternalista mas, na superfície, individualista e democrática, e substancialmente tendente a produzir modelos humanos heterodirigidos.

Resumidamente, são essas as "peças de acusação". Passemos agora à brilhante defesa de Eco.

a) A cultura de massa não é típica de um regime capitalista. Nasce numa sociedade em que toda a massa de cidadãos se vê participando, com direitos iguais, da vida pública, dos consumos, da fruição das comunicações.; nasce inevitavelmente em qualquer sociedade de tipo industrial.

b) A execrada cultura de massa de maneira alguma tomou o lugar de uma fantasmática cultura superior; simplesmente se difundiu junto a massas enormes que, tempos atrás, não tinham acesso aos bens de cultura.

c) É verdade que os mass media propõem , maciça e indiscriminadamente, vários elementos de informação, nos quais não se distingue o dado válido do de pura curiosidade ou de entrenimento; mas negar que essa acúmulo de informação possa resolver-se em formação significa professar uma concepção um tanto pessmista da natureza humana e não acreditar que um acúmulo de dados quantitativos, bombardeando de estímulos as inteligências de uma grande quantidade de pessoas, não possa resolver-se, para algumas, em mutação qualitativa.

d) A objeção de que a cultura de massa também difunde produtos de entretenimento que ninguém ousaria julgar positivos (estórias em quadrinhos de fundo erótico, cenas de pugilato, programas de TV de perguntas e respostas que representam um apelo aos instintos sádicos do grande público), replica-se que, desde que o mundo é mundo, as multidões amaram os circenses; e parece natural que, em mudadas condições de produção, os duelos de gladiadores, as lutas dos ursos et similia tenham sido substituídos por outras formas de entretenimeno "menores", que todos vituperam mas que não deveriam ser consideradas como um sinal particular da decadência dos costumes.

e) Uma homogeneização do gosto contribuiria, no fundo, para eliminar, a certos níveis, as diferenças de casta, para unificar as sensibilidades nacionais, e desenvolveria funções de descongestinamento anticolonialista em muitas partes do globo.

f) A divulgação dos conceitos sob forma de digest evidentemente teve funções de estímulo, dado que os nossos tempos assistiram  ao fenômeno definido, na América do Norte, como a revolução dos paperbacks, ou seja, a difusão, em enormes quantidades, de obras culturais validíssimas a preços muito baixos e em edição integral.

g) É verdade que a difusão  dos bens culturais, mesmo os mais válidos, quando se torna intensiva, embota as capacidades receptivas. Trata-se, porém, de um fenômeno de "consumo" do valor estético ou cultural  comum a todas as épocas, só que hoje se realiza em dimensões macroscópicas.

h) Os mass media oferecem um acervo de informações e dados acerca do universo sen sugerir critérios de discriminação; mas, indiscutivelmente, sensibilizam o homem conteporâneo frente ao mundo; e na realidade, as massas submetidas  a esse tipo de informação parecem-nos bem mais sensíveis e participantes, no bem e no mal, da vida associada do que as massas da antiguidade, propensas a reverências tradicionais face aos sistema de valores estáveis e indiscutíveis.

i) Por fim, não é verdade que os meios de massa sejam estilística e culturalmente conservaores. Pelo fato mesmo de constituírem um conjunto de novas linguagens, têm introduzido novos modos de falar, novos estilemas, novos esquemas perceptivos.


São esses os tópicos essenciais do livro de Eco.


Assusta notar que, mesmo com a total relevância do pensamento de Umberto Eco, sua defesa é ignorada pelos entusiastas da comunicação. Talvez seja pelo fato de que toda adoração impede o senso crítico,  assim os adornianos de plantão só dão ouvidos ao que  repetem entre si, em sua ortodoxia anuladora.
http://vagner-vagnerblog.blogspot.com.br/2011/03/para-os-que-se-atem-ao-velho-e-viciado.html

Indústria cultural

Leia tudo e responda as questões

A Indústria Cultural impede a formação de indivíduos autônomos, independentes, capazes de julgar e de decidir conscientemente. [2] Com as palavras do próprio Adorno, podemos compreender o porque das suas reflexões acerca desse tema.
Theodor Wiesengrund-Adorno, em parceria com outros filósofos contemporâneos, estão inseridos num trabalho muito árduo: pensar filosoficamente a realidade vigente. A realidade em que vivia estava sofrendo várias transformações, principalmente, na dimensão econômica. O Comércio tinha se fortalecido após as revoluções industriais, ocorridas na Europa e, com isso, o Capitalismo havia se fortalecido definitivamente, principalmente, com as novas descobertas cientificas e, conseqüentemente, com o avanço tecnológico. O homem havia perdido a sua autonomia. Em conseqüência disso, a humanidade estava cada vez mais se tornando desumanizada. Em outras palavras, poderíamos dizer que o nosso caro filósofo contemplava uma geração de homens doentes, talvez gravemente. O domínio da razão humana, que no Iluminismo era como uma doutrina, passou a dar lugar para o domínio da razão técnica.  Os valores humanos haviam sido deixados de lado em troca do interesse econômico. O que passou a reger a sociedade foi a lei do mercado, e com isso, quem conseguisse acompanhar esse ritmo e essa ideologia de vida, talvez, conseguiria sobreviver; aquele que não conseguisse acompanhar esse ritmo e essa ideologia de vida ficava a mercê dos dias e do tempo, isto é, seria jogado à margem da sociedade. Nessa corrida pelo ter, nasce o individualismo, que, segundo o nosso filósofo, é o fruto de toda essa Indústria Cultural.
Segundo Adorno, na Indústria Cultural, tudo se torna negócio. Enquanto negócios, seus fins comerciais são realizados por meio de sistemática e programada exploração de bens considerados culturais. [3] Um exemplo disso, dirá ele, é o cinema. O que antes era um mecanismo de lazer, ou seja, uma arte, agora se tornou um meio eficaz de manipulação. Portanto, podemos dizer que a Indústria Cultural traz consigo todos os elementos característicos do mundo industrial moderno e nele exerce um papel especifico, qual seja, o de portadora da ideologia dominante, a qual outorga sentido a todo o sistema.
É importante salientar que, para Adorno, o homem, nessa Indústria Cultural, não passa de mero instrumento de trabalho e de consumo, ou seja, objeto. O homem é tão bem manipulado e ideologizado que até mesmo o seu lazer se torna uma extensão do trabalho. Portanto, o homem ganha um coração-máquina. Tudo que ele fará, fará segundo o seu coração-máquina, isto é, segundo a ideologia dominante. A Indústria Cultura, que tem com guia a racionalidade técnica esclarecida, prepara as mentes para um esquematismo que é oferecido pela indústria da cultura – que aparece para os seus usuários como um “conselho de quem entende”. O consumidor não precisa se dar ao trabalho de pensar, é só escolher. É a lógica do clichê. Esquemas prontos que podem ser empregados indiscriminadamente só tendo como única condição a aplicação ao fim a que se destinam. Nada escapa a voracidade da Indústria Cultural. Toda vida torna-se replicante. Dizem os autores:
Ultrapassando de longe o teatro de ilusões, o filme não deixa mais à fantasia e ao pensamento dos espectadores nenhuma dimensão na qual estes possam, sem perder o fio, passear e divagar no quadro da obra fílmica permanecendo, no entanto, livres do controle de seus dados exatos, e é assim precisamente que o filme adestra o espectador entregue a ele para se identificar imediatamente com a realidade. Atualmente, a atrofia da imaginação e da espontaneidade do consumidor cultural não precisa ser reduzida a mecanismos psicológicos. Os próprios produtos (...) paralisam essas capacidade em virtude de sua própria constituição objetiva (ADORNO & HORKHEIMER, 1997:119).
Fica claro portanto a grande intenção da Indústria Cultural: obscurecer a percepção de todas as pessoas, principalmente, daqueles que são formadores de opinião. Ela é a própria ideologia.  Os valores passam a ser regidos por ela. Até mesmo a felicidade do individuo é influenciada e condicionada por essa cultura. Na Dialética do Esclarecimento, Adorno e Horkheimer exemplificam este fato através do episódio das Sereias da epopéia homérica. Ulisses preocupado com o encantamento produzido pelo canto das sereias tampa com cera os ouvidos da tripulação de sua nau. Ao mesmo tempo, o comandante Ulisses, ordena que o amarrem ao mastro para que, mesmo ouvindo o cântico sedutor, possa enfrentá-lo sem sucumbir à tentação das sereias. Assim, a respeito de Ulisses, dizem os autores:

O escutado não tem conseqüências para ele que pode apenas acenar com a cabeça para que o soltem, porém tarde demais: os companheiros, que não podem escutar, sabem apenas do perigo do canto, não da sua beleza, e deixam-no atado ao mastro para salvar a ele e a si próprios. Eles reproduzem a vida do opressor ao mesmo tempo que a sua própria vida e ele não pode mais fugir a seu papel social. Os vínculos pelos quais ele é irrevogavelmente acorrentado à práxis ao mesmo tempo guardam as sereias à distância da práxis: sua tentação é neutralizada em puro objeto de contemplação, em arte. O acorrentado assiste a um concerto escutando imóvel, como fará o público de um concerto, e seu grito apaixonado pela liberação perde-se num aplauso. Assim o prazer artístico e o trabalho manual se separam na despedida do antemundo. A epopéia já contém a teoria correta. Os bens culturais estão em exata correlação com o trabalho comandado e os dois se fundamentam na inelutável coação à dominação social sobre a natureza (ADORNO & HORKHEIMER, 1997:45).
É importante frisar que a grande força da Indústria Cultural se verifica em proporcionar ao homem necessidades. Mas, não aquelas necessidades básicas para se viver dignamente (casa, comida, lazer, educação, e assim por diante) e, sim, as necessidades do sistema vigente (consumir incessantemente). Com isso, o consumidor viverá sempre insatisfeito, querendo, constantemente, consumir e o campo de consumo se torna cada vez maior. Tal dominação, como diz Max Jimeenez, comentador de Adorno, tem sua mola motora no desejo de posse constantemente renovado pelo progresso técnico e científico, e sabiamente controlado pela Indústria Cultural. Nesse sentido, o universo social, além de configurar-se como um universo de “coisas” constituiria um espaço hermeticamente fechado. E, assim, todas as tentativas de se livrar desse engodo estão condenadas ao fracasso. Mas, a visão “pessimista” da realidade é passada pela ideologia dominando, e não por Adorno. Para ele, existe uma saída, e esta, encontra-se na própria cultura do homem: a limitação do sistema e a estética.
Na Teoria Estética, obra que Adorno tentará explanar seus pensamentos sobre a salvação do homem, dirá ele que não adiante combater o mal com o próprio mal. Exemplo disso, ocorreram no nazismo e em outras guerras. Segundo ele, a antítese mais viável da sociedade selvagem é a arte. A arte, para ele, é que liberta o homem das amarras dos sistemas e o coloca com um ser autônomo, e, portanto, um ser humano. Enquanto para a Indústria Cultural o homem é mero objeto de trabalho e consumo, na arte é um ser livre para pensar, sentir e agir. A arte é como se fosse algo perfeito diante da realidade imperfeita. Além disso, para Adorno, a Indústria Cultural não pode ser pensada de maneira absoluta: ela possui uma origem histórica e, portanto,  pode desaparecer.
Por fim, podemos dizer que Adorno foi um filósofo que conseguiu interpretar o mundo em que viveu, sem cair num pessimismo. Ele pôde vivenciar e apreender as amarras da ideologia vigente, encontrando dentro dela o próprio antídoto: a arte e a limitação da própria Indústria Cultural. Portanto, os remédios contra as imperfeições humanas estão inseridos na própria história da humanidade. É preciso que esses remédios cheguem a consciência de todos (a filosofia tem essa finalidade), pois, só assim, é que conseguiremos um mundo humano e sadio.
 
Referências bibliográficas:
 
ADORNO, Theodor W. Textos Escolhidos. Trad. Luiz João Baraúna. São Paulo: Nova Cultural, 1999. (Os Pensadores)
ADORNO, Theodor W. Mínima Moralia: Reflexões a partir da vida danificada. Trad. Luiz Eduardo Bisca. São Paulo: Ática, 1992.
HORKHEIMER, M., e ADORNO, T. W., Dialética do Esclarecimento: Fragmentos filosóficos. Trad. Guido Antonio de Almeida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1997.
HABERMAS, J. O Discurso filosófico da modernidade. Trad. Ana Maria Bernardo e outros. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1990. 
BARCELLOS, Carine. A questão da moral na cultura contemporânea. In: Comunicações, 4, Piracicaba – UNIMEP, p. 70-90, nov. 2000.


* Formado em Filosofia pelo Seminário Arquidiocesano de Maringá (PR)
[1] Adorno tem um capítulo específico sobre a Indústria Cultural contido na Dialética do Esclarecimento onde, em parceria com Horkheimer, ele trata do assunto.
[2] Cf. T. W. Adorno, Os Pensadores. Textos escolhidos, “Conceito de Iluminismo”. Nova Cultural, 1999.
[3] Cf. idem.
 http://www.urutagua.uem.br//04fil_silva.htm

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